Havia na China de antigamente um lavrador muito medroso. E talvez não lhe faltasse alguma razão, porque, entre outros perigos de respeito, um tigre de grande porte rondava o povoado e saltava aos caminhos, exigindo o seu quinhão.
- Dá-me metade das galinhas que levas para o mercado - pedia o tigre, numa voz que não era de pedir.
E o pobre camponês, apanhado no caminho, não tinha outro remédio senão dividir a sua carga a meias com o tigre.
Um dia, calhou a vez ao lavrador, que sulcava as suas terras com um arado, puxado por um boi. Apareceu-lhe o tigre, que disse:
- Dá-me metade desse boi.
O camponês, depois de recuperar a fala, que lhe fugira com o susto, pediu misericórdia. Atabalhoadamente, tentou explicar à fera que passar a lavrar a terra só com metade de um boi não ia ser fácil.
- Quero lá saber! Arranja-te como puderes - disse o tigre, num tom que não admitia mais discussões.
- Então eu vou buscar o machado a casa, para dividirmos o boi ao meio - disse o lavrador, a ganhar tempo.
Quando, esbaforido, chegou a casa e contou à mulher o que se passara, ela, que era mais destemida do que o marido (o que não era difícil...), barafustou com o negócio e propôs-se tratar do caso à sua maneira.
Pendurou uma cabaça ao pescoço, que lhe tapava a boca, calçou umas andas, vestiu uma longa túnica e escondeu a cara dentro de uma máscara demoníaca. Parecia um gigante.
Assim vestida, pôs-se ao caminho, de machado na mão. Entretanto, ia gritando:
- Apetece-me comer um tigre às fatias, cortadas uma a uma pelas riscas dos lombos.
- A voz dela ressoava no vazio da cabaça e ribombava, cava e tremenda.
O tigre ouviu-a e espreitou por entre os canaviais. Seria o diabo ou a mãe do diabo?
Mais valia não identificar de perto.
E o tigre, de rabo entre as pernas, fugiu daquelas paragens, para nunca mais ser visto
António Torrado
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